segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Underline

Só o que eu quis, todo o tempo, o que eu pelejei para achar, era uma só coisa - a inteira - cujo significado e vislumbrado dela eu vejo que sempre tive. A que era: que existe uma receita, a norma dum caminho certo, estreito, de cada uma pessoa viver - e essa pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no comum, não sabe encontrar; como é que, sozinho, por si, alguém ia poder encontrar e saber? Mas, esse norteado, tem. Tem que ter. Se não, a vida de todos ficava sendo sempre o confuso dessa doideira que é. E que: para cada dia, e cada hora, só uma ação possível da gente é que consegue ser a certa. Aquilo está no encoberto; mas, fora dessa consequência, tudo o que eu fizer, o que o senhor fizer, o que o beltrano fizer, o que todo-o-mundo fizer, ou deixar de fazer, fica sendo falso, e é o errado. Ah, porque aquela outra é a lei, escondida e vivível mas não achável, do verdadeiro viver: que para cada pessoa, sua continuação, já foi projetada, como o que se põe, em teatro, para cada representador - sua parte, que antes já foi inventada, num papel...

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas.


Na noite escreveu um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silencio murmuro comsigo:
É o rumor dos pinhaes que, como um trigo
De Imperio, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a falla dos pinhaes, marulho obscuro,
É o som presente d´esse mar futuro,
É a voz da terra anciando pelo mar.

PESSOA, Fernando. IV ou D. Diniz.


Gracinda Mau-Tempo é a última, não importa, tem tempo de ficar atada pelos bicos dos seios àquela boca sugadora, tem tempo de se esquecer a contemplar aqueles olhos azulíssimos enquanto o leite lhe for manando do peito, aqui sob estas telhas mal ajuntadas, no meio do campo debaixo duma azinheira, de pé quando não puder ser sentada, à pressa quando não puder ser devagar, o pouco e o muito deste peito, desta vida, deste branco sangue que do outro vermelho se vai formando.

SARAMAGO, José. Levantado do chão.


A mente do poeta é de fato um receptáculo destinado a capturar e armazenar um sem-número de sentimentos, frases, imagens, que ali permanecem até que todas as partículas capazes de se unir para formar um novo composto estejam presentes juntas.

ELIOT, T. S. Talento e tradição individual.


O que eu digo é que, até o Evangelho, foi com ose eu estivesse, em todos esses livros, estado a descrever uma estátua. Portanto a estátua é a superfície da pedra. Quando olhamos para uma estátua, não estamos a pensar na pedra que está por detrás da superfície. Então é como se eu, a apartir de Ensaio sobre a cegueira, estivesse a fazer um esforço para passar para o lado de dentro da pedra.

SARAMAGO, José. Entrevista à revista BRAVO!.

3 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, gostei muito de todos os fragmentos! *-*

Laura Assis disse...

A Terezinha diz que sempre que ela dá Brasileira 4 ela descobre uma coisa nova no GS:V. Se ela descobre, imagina eu, que fiquei encantada com esse fragmento que você postou aí e que eu não lembrava =)

Guimarães é absurdo *_*

Ah, e LÓGICO que tinha que ter Saramago DUAS vezes, né? lol

=**

Anelise Freitas disse...

É você na ECO de hoje? Boa sorte. Posso te adicionar nos meus favoritos do blog?