segunda-feira, 18 de junho de 2012

Toque de ira


Arrancava o esmalte das unhas todas as vezes que queria perder o controle e não podia. Arrancava com fúria cada pedaço colorido. Empurrava os cantos, raspava, machucava os dedos. O azul se foi numa noite de ciúmes. Depois de uma briga, tentou estragar todas as unhas vermelhas, mas não conseguiu arrancar tudo porque se arrependeu do surto logo em seguida. Problemas no trabalho levaram embora cada mínimo glitter holográfico que trazia na unha. E, ainda assim, não parava nunca de comprar esmaltes. Todo dia levava um para casa. Tentava fazer seu humor combinar com a cor que comprava e com a que resolvia passar. De dois em dois dias, repetia o ritual de tentar se moldar com uma cor diferente. Em vão. Sempre acabava por se perder, se descontrolar e esquecer qualquer fio de razão. E então arrancava. Cada pedaço. Nenhum podia sair impune, porque aquilo não era mais ela. Aquilo vinha de outra, aquela que projetava ser cada noite que deixava de ler ou trabalhar para trocar o esmalte. Cada vez que enfiava a ponta de uma unha debaixo da camada fina que cobria outra, era um impulso que segurava. Soco no estômago: adeus, magenta. Tapa: acabou, teal. Chutar a parede até destruir o próprio pé: fim do prata. Cada vez que olhava para as mãos e encontrava as unhas em perfeito estado, respirava aliviada. Estava sob controle. Não durava muito: logo surgia algo, qualquer coisa, mínima que fosse, que a levava de volta. Começava pelos cantos superiores, sutilmente. Num minuto já estava no meio da unha, usando qualquer artifício para conseguir arrancar tudo. Uma vez terminado o serviço, era outra pessoa. Sentia-se como uma folha em branco, pronta para ser usada pela primeira vez. Reinventada. Sustentou crises inteiras em cima de esmaltes desperdiçados. Evitou brigas, demissões, gritos. Mas tudo tinha um preço. Estas linhas custaram várias camadas recém-pintadas de shimmers prateados em fundo preto. Mas o próximo da lista já estava ali ao lado, um vermelho pronto para iniciar a curta vida que teria – daquele dia até quando durasse sua paciência.

Um comentário:

Bella Fowl disse...

Gostei muitíssimo do seu texto e pretendo explorar mais o seu blog. Adorei a maneira como utilizou a linguagem, a temporalidade do texto e alguns recursos narrativos. Ah... E notei que cursa Letras na UFJF. Pretendo entrar no curso no próximo ano (ainda estou no terceiro ano do Ensino Médio). Se puder me falar um pouco sobre a sua experiência na faculdade, eu adoraria saber. Meu email é "isabellag003@gmail.com" e o meu blog literário http://bella-fowl.blogspot.com.br/.
Parabéns e continue escrevendo sempre.