sábado, 5 de fevereiro de 2011

Cinzas

.......Me dedico à limpeza tanto quanto me dedico a ela. E quando ela não está, eu me ocupo da casa. Aprendi a usar aquela máquina de lavar que compramos há tanto tempo e eu não sabia nem ligar. Criei o hábito de cortar a grama de manhã, enchendo o saco dos vizinhos. Dobro os lençóis de uma forma tão impecável que a surpreenderia. Tiro o pó dos móveis com uma paixão desmedida, e desconfio que isso só acontece porque enquanto limpo a estante vejo nossas fotos, os livros dela, os restos de cigarro no cinzeiro que ela fez questão de comprar naquela viagem ao sul só porque era exatamente da mesma cor que a blusa que ela usava.

.......Mantenho a casa do jeito que ela gosta, só pra ver aquele sorriso de quando ela abre a porta à noite. E é durante a noite que vou de cômodo em cômodo desfazendo lentamente tudo que fiz durante o dia. Puxo lençóis, desarrumo livros, molho o banheiro todo. Porque preciso me ocupar amanhã. Só não mexo no cinzeiro.

.......Mecanicamente abro o email, olho o celular, disco um número aleatório só pra ouvir o que eu já sei. Com o espanador me aproximo da estante da sala e vejo que não é só a minha chave que está ali. Tem uma outra, esquecida faz alguns dias. Uma hora vou cansar de arrumar, limpar, lavar, espanar, mas acho que ela não volta até lá. E aí o que eu vou fazer?

2 comentários:

Laura Assis disse...

Quando cansar de arrumar ouve a faixa 8 do Sky Blue Sky :)

Gostei muito do texto.

Darlan disse...

Bonito e triste. E eu acho as palavras tristes tão mais bonitas, rs. A certa altura eu lembrei de Calcanhotto cantando que nada ficou lugar ou Teatro Mágico falando que "seu sorriso vou deixar na estante pra ter um dia melhor", só que isso seria feliz demais...

Eu penso que a falta é presente sempre que mantemos a rotina antiga. E há quem diga que para esquecer o antigo amor, a única receita é um novo amor. Renovar as cinzas no cinzeiro.